02/01/2008

Uma Casa de Amigos


Quando se fala em casa de amigos, pensa-se logo nos lugares onde se freqüenta para um drinque, um jantar ou um bate-papo. Mas não é dessas que quero falar.
Quando recebi uns caraminguás de uma herança uns anos atrás, comprei uma pequena casa na Pompéia, tradicional bairro de São Paulo. Estava precisando urgente de uma reforma. Pus mãos à obra. Depois de muitos meses, com a reforma afinal terminada, me dei conta de que muitas das coisas que foram feitas, foram feitas por sugestão e com a contribuição de amigos.
O mais importante é o Paulo Rabaça, uma pessoa que conheci como locador da casa onde morava antes. Ele checou a estrutura, engenheiro que é, pediu ao Giba que se esmerasse no janelão da frente, providenciou o forro de Angelim, os armários do quarto e da cozinha, minha mesa de trabalho, a estante de livros, tudo feito na sua bem azeitada marcenaria. Isso sem contar o sem número de excelentes profissionais de primeira linha que recomendou. Ele é uma pessoa singular e das mais generosas que conheci. Ajuda muitas pessoas no bairro, umas que merecem e outras que nem tanto, mas mesmo assim estende a mão sem deixar que a esquerda saiba o que faz a direita, como manda a Bíblia. Uma vez até, me deu de presente parte de uma pequena pizzaria no Alto da Lapa, mas essa história depois eu conto.
A frente recuada para dar lugar a uma porta lateral foi idéia do Stefano Ferretti, um diretor de arte com uma magnífica noção de espaço. Deu charme à frente da casa. A colocação de floreiras ao lado da caixa d’água, de modo que cobrissem a torre de vegetação foi idéia do Salum. Já o recorte de tijolo aparente na sala foi idéia do meu filho, inspirado por uma parede de uma casa no interior. A combinação de cores é sugestão do Thomas Brixa, amigo assíduo e leal e, na minha opinião, o melhor restaurador de arte da cidade. A grade de ferro que protege a torre da caixa d’água foi obra do Orlando, um ex-motoboy da pizzaria agora transformado em dono de uma pequena serralheria.O terraço atrás da casa, o famoso “puxadinho”, já que o lado português fala alto em minh'alma, não só dá vista para um lindo jardim no meio do quarteirão como também me dá de presente o pôr-do-sol. Este foi idéia do Maurício, um ator e poeta, vizinho de parede, amigo novo que veio junto com a casa e que tristemente se foi há poucos anos.Muitas das obras de arte na casa são trabalhos ou presentes de amigos: Stefano Ferretti, Roberto Aguilar, Rubens Mattuck, Elifas Andreato (amigo de minha mãe, na verdade), Sebastião Maria, Thomas Brixa, John Howard, Roberto Campadelo, Carlos Takaoka e Bete Beleza, entre tantos outros.
E os que fizeram a reforma de fato: Toninho, Alemão, Adilson, Reny e Gilmar, todos deram idéias e contribuíram com seu trabalho e sua disposição para a casa ser o que é.
Sei dizer que esta é uma casa que começou com o pé direito, com a amizade e o bom humor como parte da mistura, junto com o cimento, a areia e a água. Ao andar por ela vejo em cada pedaço um pouco da mão e do tempo de cada um. Uma construção quase sempre transcende nossa própria época e, às vezes, sinto a tentação de sonhar com o que vai passar dentro dela, entre essas paredes, os amigos que vão respirar e conviver nesses espaços, perambular por esses cantos. Mas é também, confesso, um amor recente e ainda em fase de namoro. Surpreendo-me com seus barulhos e seus ângulos de luz, suas correntes de vento e seus humores, com o nascer do dia e com o anoitecer. Ainda estou aprendendo a andar por ela à noite sem acender a luz. Essa minha casa preciosa foi e será feita de muita coisa, além de pedra e de cal. Foi e será feita de suor, alegria, trabalho, amizades, vida e gratidão. Nada é mais sólido do que isso.É e será, como uma moradia deve ser, uma casa de amigos.