03/02/2008

Fila Indiana


Era seu caminho.
Parava o carro na zona azul na primeira travessa depois do edifício para onde se dirigia.
Comprava os talões na banca de jornal na esquina seguinte e até já tinha estabelecido uma camaradagem com o rapaz da banca, o suficiente para uns dedos de prosa caso chegasse adiantado.
Passava pelas lojas da rua, pelo bar da esquina e descia fumando um último cigarro já que fumar não era bem visto pela sua analista.
Pois é. Era para sua sessão de psicanálise que se dirigia.
Depois da identificação pela câmera da portaria, subia até o sétimo andar, tocava a campainha e entrava.
Seu horário era às nove horas da manhã.
Um belo dia – gostava desse clichê em especial por dois motivos: um que um seu professor de natação sempre lhe dizia que “todo dia é bom dia, certo?”, e porque tinha uma empregada para quem todo dia era de fato um belo dia.
Mas como eu ia dizendo: Um belo dia, por circunstâncias de agenda, teve seu horário antecipado para as oito horas da manhã.
É importante contar o motivo pelo qual fazia análise: Ele era um dependente químico. E de várias substâncias químicas: tabaco, álcool, maconha, café e umas tantas outras menos populares.
Acontece que ao chegar para sua sessão das oito horas, deparou-se com um cordão de pessoas serpenteando pela calçada da avenida da esquina para baixo.
As pessoas estavam em fila indiana rente às paredes, umas de pé, outras sentadas no chão ou num degrau, outras ainda, deitadas dormindo.
Todos sérios, quietos e diferentes entre si. Aquele retrato conhecido da pobreza urbana brasileira: maltrapilhos ou de short e sandália, um ou outro travesti sem produção, muitos alcoólatras inchados. Idade média ao redor dos quarenta anos.
Ficou curioso, mas de imediato não viu nenhum motivo visível para aquilo, provavelmente porque estava em cima da hora e não teve tempo para investigar.
Na saída, uma surpresa: não havia mais fila e nem mais ninguém a vista. Onde teriam ido? Seguiu avenida acima olhando para as casas até descobrir a resposta em uma pequena porta com uma plaquinha da prefeitura identificando o lugar: Centro de Convivência.
Não resistiu, é claro, e entrou. Era um lugar que servia café da manhã – um copo de café com leite e um pãozinho francês com margarina – tinha os jornais do dia (vários exemplares), uma televisão pendurada na parede com os programas matinais e algumas mesas onde se jogava dominó.
Lá dentro as pessoas conversavam, sem falar muito alto nem nada. O ambiente poderia até ser descrito como normal, não fosse uma ou outra pessoa isolada num canto murmurando consigo mesma.
Nele, sequer repararam, embora estive bem melhor trajado do que todos ali.
Um olhar daqui e dali e mais nada.
Deu uma volta pelo lugar e saiu dali pensativo.
Qual das duas seria a melhor solução para pessoas com problemas: a sua sessão de análise de alfaiate, cara, sofisticada, feita sob medida que freqüentava, ou aquela experiência comunal, sendo igual entre iguais, trocando idéias, comparando os problemas e as soluções que cada um encontrava para seus males?
Antes de pegar seu carro na transversal, parou no bar e pediu uma bebida.
O dono do bar, um português cauteloso, pediu-lhe delicadamente que fosse discreto e bebesse mais para o fundo do estabelecimento, pois não queria servir a ‘esses gajos aí, que só fazem dar problemas’.
Ele ainda não achou uma resposta satisfatória para sua dúvida, mas ao menos já tomou uma decisão: vai se vestir com mais modéstia, entrar na fila e experimentar a convivência daquele centro.
Está curioso para ver se esta terapia coletiva funciona para ele também.